A cor descasca
revela feridas
jamais cicatrizadas.
O fogo congela
Se apaga
Morre
E jogo na cama
as suas cinzas.
Por acaso rasga um riso
em meio ao rosto pétreo
Dando de comer à esperança
de que a flor não murche.
Mas há sempre uma penumbra
Girando o trinco da porta
Basta um fresta, uma fenda
Que se doa o corpo em oferenda
Às bestas que dormem nas grutas.
Por vezes gotejam pétalas
Outrora serenam pedras
As quais lanço sobre mim
Pelo que não cometi.
Busco fissuras
No céu do escombro
Sob o peso que escondo
Não vislumbro cura.
A vista toca as rosas
E a foice as roça
Num piscar de olhos
Condenaram-me ao eterno descor
E a pôr o nublado sobre as coisas
Há sempre trovejo no interior
E vez ou outra desejo o nunca.
Um córrego abraça os óbices
Troca o passo no ritmo
em que pisam em seus pés
Faz da inconstância uma pedra
Poderíamos ser riachos.
Antes de quebrar a casca
O ovo era o universo
Pássaros desconhecem o voo
Até a queda compulsória
Também já fomos pássaros.
Formigas são cegas e teimosas
Não há outro caminho
senão a rota já traçada
Uma vez fora dessa estrada
perde-se eternamente
Não formiguemos
Pavimentemos o próprio trecho
Para perder o perder-se.
Como um poeta
Um cientista da palavra
As disseco, minucioso
Para entender as entrelinhas
Que costuram sua alma
Experimento, duvidoso
De que seu cerne se aproxima.
Molhamos apenas os pés
na margem da palavra
Sua profundidade abissal
está onde os olhos dormem
As tripas das palavras me digerem
E tenho fome de ser devorado.
Quem vê palavra
com o olho da razão
não despe sua veste
não a vê nua e crua
não se seduz por esta Vênus.
O poeta é um apaixonado
Captura faíscas ao vento
Para engendrar incêndios
Só os que se queimam nesta pira
não terão moedas sobre os olhos.
Há uma flor que desabrocha
E há uma flor que chora
sobre seu próprio ocaso
Aí está o dourado
Entre a pétala esplendorosa
E o triste fim duma rosa
Onde a vinda
acompanhada de riso
e a partida
acompanhada de sal
dividem o lençol
Entre um ocaso e outro
haverá uma aurora
Não é então a flor um sorriso?
Uma felicidade breve que brota
E recessa feito espuma marinha
E aguardamos com ânsia a volta…
O sol tem um milhão de quilômetros
Mas tão imensa é a grandeza duma flor
Que o sol se apequena
para caber num botão.
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