Conto de Fadas

Adriel Alves
5 min readSep 7, 2022

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Acreditamos em muita coisa que não existe. Enquanto alguns acreditam em Papai Noel, outros acreditam no dinheiro. A moeda só tem seu valor graças à imaginação humana, pois nada mais é que um mísero pedaço de papel, mas imprimimos nela uma enorme valia e a fixamos no imaginário coletivo.

É curioso o caso dos bancos, que só existem e funcionam perfeitamente em razão do crédito imaginário. A fortuna dos bancos é puramente ilusória, somente dígitos numa tela, apenas uma parcela dos valores de fato estão no banco, o resto é virtual. Ou seja, se toda ou a maior parte dos clientes desejassem sacar os valores depositados, o banco ruiria. Junto a isso, podemos afirmar que a maior parte do dinheiro em circulação sequer existe. O dinheiro físico está caminhando para a extinção.

Dizem para não crermos em contos de fadas, sendo que todo mundo acredita no capitalismo. O capitalismo, assim como a democracia e o liberalismo, são meras ideologias, ou seja, ideias que representam um grupo de pessoas com ideias semelhantes. Ideologias não existem, não é possível vê-las ou tocá-las, mas, apesar disso, possuem o imenso poder de regular a nossa vida em sociedade e unir milhares de pessoas a um caminho comum. Justamente por isso as ideias são tão perigosas, na mesma medida que podem unir também podem destruir. Por meio da ideologia nazista, Hitler dizimou a vida de cerca de seis milhões de judeus, no que ficou conhecido como o Holocausto, um dos acontecimentos mais aterrorizantes da história da humanidade. A religião, outra invenção nossa, também se mostrou e ainda se mostra nociva muitas vezes, como podemos observar nos países onde o radicalismo religioso promove verdadeiras barbáries em nome de Deus. A ideia é arma e também escudo, é tênue a linha entre ambos.

Uma das invenções mais impactantes da humanidade foi a seguinte: poder. Se alguém com enorme poder de influência atribuir a uma pedra o valor de R$ 500.000,00, logo uma mera rocha passará a ser um tesouro inestimável e provavelmente leiloada e adquirida por algum bilionário afim de queimar umas notas. Os reis eram considerados representantes divinos na Terra. Os faraós eram divindades no Egito. Os imperadores eram lendários. Todos eles tinham em mãos um poder inimaginável e podiam fazer o que bem quisesse sem consequências. E por que mesmo em número infinitamente superior em relação a estes seres divinos, o povo, sofrendo com as mazelas decorrentes dos abusos dos poderosos, não ergueu sequer um levante? É que criou-se uma ideia tão poderosa que quebrá-la parecia algo inimaginável. O poder ilusório inventado pelo próprio homem promoveu a apoteose da carne. E milhões de nós somos meros súditos dessa ideia à prova de tudo incutida no imaginário coletivo.

Somos protagonistas de um livro, como todos aqueles que repousam em suas prateleiras, escrito por milênios, tão ficcional quanto Orwell, Stephen King e Tolkien. Por anos e anos a fio escrevemos as folhas deste titânico conto de fadas chamado humanidade, inserindo a cada página novas invenções e riscando outras. Ora, na Roma antiga, o sal já foi moeda (daí a origem da palavra salário). O que nos difere dos bichos é essa capacidade de inventar coisas e as tornarmos reais. Um felino não faz a menor ideia do que é um trabalho acadêmico. Uma tartaruga não está muito interessada no aumento preocupante da inflação. E assim éramos antes de nossas mentes serem capazes de imaginar, só tínhamos olhos para o real, o básico necessário para seguir respirando e mantendo os batimentos cardíacos.

Convenhamos, a realidade é limitada e sofrível. Fabricou-se um roteiro de vida seguido à risca pela sociedade. Nascemos, vamos à creche, à escola, à faculdade e depois procuramos um emprego (a não ser que você seja um herdeiro) e finalmente nos aposentamos. Quem cumpre esse passo a passo venceu na vida, ou assim querem que acreditemos. Às vezes quero fazer como Truman no Show de Truman, largar a vida projetada, jogar para o alto o script e sair para os bastidores. Passamos boa parte de nossas vidas aprendendo a acreditar nas coisas não palpáveis. Não que eu esteja minimizando as inexistências, muito pelo contrário, é magnífica a história que a humanidade vem escrevendo, inventando invisibilidades capazes de tocarem a realidade. Imagina só se nossas mentes não tivessem criado as leis e a convenção de que devem ser seguidas, estaríamos todos a deus-dará numa selva cruel e caótica à mercê da tirania.

Você deve se lembrar daquela cena do filme Matrix onde o Neo encontra um menino careca e nasce o seguinte diálogo:

— Não tente entortar a colher. É impossível. Em vez disso, tente ver a verdade.
— Que verdade?
— A colher não existe.

Pois bem, a colher representa aquilo que cremos ser o real, aquilo em que cremos de uma forma tão crível que nada pode mudar nossa percepção. Mas a realidade é volátil, vai do discernimento, dos sentidos e dos impulsos elétricos de cada um. Para nós é real tudo o que de certa forma gera um estímulo em nosso corpo, seja tátil ou não. Então, se ansiamos pela remuneração que entrará em forma de numerais em nossa conta bancária virtual e aquilo faz o corpo produzir endorfina, serotonina, dopamina e ocitocina, logo conclui-se que tal coisa só pode ser real.

Criaram-se tantos termos, conceitos, teorias, hipóteses, que hoje é impossível dissociar o real da ilusão. Caminhamos cada vez mais para o terreno do invisível. No futuro, não haverá mais dinheiro em espécie nem cartão de crédito físico, tudo será digital, reservado ao sistema binário composto dos números 0 e 1, que também é fruto de nossas mentes brilhantes. Os saudosos LPs e CDs já foram substituídos pelos serviços de streaming, temos toda música que quisermos na palma da mão, mesmo sem poder tocá-la. A tendência é que os smartphones sumam também, adentraremos totalmente na realidade virtual, que futuramente será mais real que a realidade. Por fim, num futuro muito muito distante, nem nós da forma que somos existiremos mais, provavelmente seremos uma espécie de nuvem de dados inteligente, onisciente e onipresente; isso se nós não nos autodestruirmos antes, claro. De toda forma, a existência será história, ou nem isso.

Por fim, antes de menosprezar os contos de fadas, lembre-se que vivemos num faz de conta, uma teia intrinsicamente conectada de ideias e ideais. Enquanto forem convenientes estas convenções universais, elas serão mantidas. Porém desconhecemos o amanhã, só nos resta imaginar…

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Adriel Alves

Poeta e cronista. Integrante do portal Fazia Poesia e da Impérios Sagrados. IG: @purapoesiaa. Inscreva-se no link: https://adriel-alves.medium.com/subscribe