Vovó Iô

Adriel Alves
2 min readOct 25, 2024

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Dona Iolanda, ou como lhe chamavam os netos: Vovó Iô, costumava levar o seu hobby de assistir novelas muito a sério. Ela reservava ao lado da TV um caderninho para anotar o resumo de cada episódio que assistia, tomando notas particulares acerca do que lhe empolgava nas tramas.

No entanto, o que mais lhe deixava eufórica era a visita tão esperada de seus netos. A primeira coisa que fazia era dar um sermão nos sumidos. No auge de sua insatisfação, dizia que iria em breve para a casa de São Pedro, que era como denominava o paraíso. Bastava um pequeno instante de prosa com seus queridos descendentes para esquecer do drama e sorrir com as novidades.

O tempo arrancou da Vovó Iô o seu passatempo preferido. Não conseguia mais acompanhar as imagens das novelas na TV pois a vista estava minguando progressivamente. Até que chegou o momento em que ouvia somente os áudios. Reclamava sempre desse infortúnio, logo citava que devia ir logo para a casa de São Pedro… Suas pernas não eram mais as mesmas, doíam e se preenchiam de varizes. Passava a maior parte do dia sentada em sua poltrona com as panturrilhas esticadas e a bengala ao lado.

Seu companheiro da vida inteira, o Vovô Castelo, era apenas um corpo presente. Dona Iolanda não alimentava mais nenhum amor pelo parceiro e a indiferença era recíproca. Era cada um em seu cômodo, vivendo em seu mundo particular. Castelo entre as muralhas de seu escritório onde reunia toda sorte de revistas antigas, cartazes de cinema e bolachões. Iolanda em frente à TV e ao lado da parede onde compilava uma imensidão de porta-retratos de seus parentes queridos.

O tempo, que se arrastava, voou. Vovó Iô adoeceu e foi para a casa de São Pedro. Em sua residência, quedou a poltrona vazia, a bengala fria, os inúmeros quadros onde ela posava sorridente ao lado dos entes queridos, momentos congelados… Dona Iolanda passou a viver em outro lugar, no coração de todos os seus netos. Estes jamais esquecerão de seus sermões, de quando ela perguntava por novidades, de quando pedia um dinheirinho em espécie; de quando ela pedia ajuda para arrumar sua coleção de bonecas, de quando ela os advertia para criarem juízo, de quando se queixava da ausência deles…

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Written by Adriel Alves

Poeta e cronista. Integrante do portal Fazia Poesia e da Impérios Sagrados. IG: @purapoesiaa. Inscreva-se no link: https://adriel-alves.medium.com/subscribe

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