Futuro: Uma Assombração

Adriel Alves
3 min readJan 30, 2025

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Há um momento de paz em nossas vidas, os primeiros anos, quando ainda não florescemos a capacidade de pensar no futuro. O que nos diferencia das outras espécies, equivocadamente discriminadas como irracionais, é que temos essa maldição de pensar além, de inventar coisas que ainda não aconteceram. Como diria Renato Russo em Pais e Filhos: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há”.

Vendo o hoje, temo o amanhã. Não exercemos mais o olho no olho, o aperto de mão, o abraço, as conversas longas, as risadas de doer barriga… Desidratamos nossa humanidade em prol da frieza dos algoritmos. Como será o futuro se continuarmos alimentando distâncias? Só me resta o vislumbre de nós entocados num próprio mundo virtual onde inexistem desventuras. Um lugar onde ninguém jamais contestaria nossas opiniões, e como seria triste isso.

Evito pensar no futuro, tenho medo. A gente sabe o destino final comum a todos mas, se fôssemos pensar nisso o tempo inteiro, compraríamos passagem adiantada para ele. O problema é esse: pensar demais. Criamos imagens medonhas, terrores imaginários sobrepostos à realidade. O pensamento acelerado em virtude do turbilhão de informações que nos cercam vem “terremotando” nossa saúde mental.

Pois bem, de tanto temer o dia vindouro, busco descansar no presente. Fui dotado de nascença por uma indecisão constante. Nunca soube dos meus quereres. Não sou como aquelas pessoas obstinadas que já calculam todo o caminho a ser percorrido na vida. Sou uma planta se esgalhando sem propósito e vez ou outra recebendo podas compulsórias. Eu ainda estou no garimpo, a jornada eterna pela construção de uma identidade e pela escolha de um sonho. No entanto, talvez eu não tenha sido aparelhado para linhas retas. Quem sabe tenha vindo a este mundo não para passar pela cabeça da agulha, mas para engordar novelos.

O caos sempre me encantou mais que a perfeição. Por mim, jamais podaria as minhas plantas. Gosto de ver o caminho peculiar de cada uma. Gosto de apreciar o torto, o orgânico, longe da exatidão milimétrica da geometria. Tendo em vista essa minha predileção, evito desenhar o futuro e o mensurar. Vou, pacientemente, fincando raízes à minha maneira, no ofertar dos dias, onde houver, naquele instante, sombra e água fresca. No entanto, o sol muda de lugar várias vezes ao ano. O problema é que a água evapora…

“Me dei conta de que o passado e o futuro são ilusões reais.” — Alan Watts

futuro, uma doença
à frente de seu tempo
parasita esperança
vasculariza nos dias
metástase
erva daninha
sintomas:
doce gosto na boca
travoso ao final
alucinações
desejo febril
dores fantasmas
tratamento:
não ingerir cápsulas do tempo
lembrar de esquecer o que não houve
convidar o hoje para um café
saber que os planos nunca alcançam
todas as dimensões.

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Written by Adriel Alves

Poeta e cronista. Integrante do portal Fazia Poesia e da Impérios Sagrados. IG: @purapoesiaa. Inscreva-se no link: https://adriel-alves.medium.com/subscribe

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