Hoje é o Dia do Meu Aniversário

Adriel Alves
4 min readMar 28, 2024

Aos vinte e sete de março de mil novecentos e oitenta e nove, às 17:45, na cidade de Fortaleza, no Ceará, eu nascia. Aurorava enquanto o sol se punha. Vinha ao mundo desorientado, pois até pouco tempo o meu universo era o útero materno. Sobre mim os sóis artificiais, a dor, o suor, o sebo, os gritos de alegria e o meu choro… Minha mãe certamente devia estar com o rosto salgado de lágrimas, agora de alívio, de felicidade. A gente vem ao planeta Terra à contragosto, mas aos poucos vamos descobrindo como a vida fora do útero pode ser maravilhosa. Até porque, de fato, o cordão umbilical que nos liga à nossa genitora nunca se rompe, o elo nos acompanha vitaliciamente.

Pois bem, inicialmente, eu via o mundo em preto e branco, os sentidos ainda estavam aflorando. Só conseguimos enxergar totalmente as cores por volta dos quatro meses. Já o olfato nasce apurado, por ele reconhecemos o cheiro da mãe, é a nossa memória mais primitiva. Ao contrário de muitos bichos na natureza, não chegamos totalmente prontos de fábrica. Saímos como produtos defeituosos que aos poucos vai se adaptando ao mercado. Somos feito um vidro derretido prestes a ser moldado ou um casulo que aos poucos vai revelando uma borboleta. Antes de caminhar com as próprias pernas levei muitos tombos, mas aprendi a não temê-los, cada queda era um convite para tentar novamente. Antes de saber como nadar, quase morri afogado numa enorme piscina, numa ocasião em que o excesso de coragem me mostrou que eu não era invencível como imaginava ser. Aos poucos estava arranhando nas 26 letras do alfabeto e depois pronunciando boa parte das mais de 300 mil palavras da língua portuguesa. O cérebro é uma unidade de armazenamento impressionante, se fosse medi-lo em bytes, ele teria cerca de 1 petabyte que é o equivalente a um milhão de gigabytes. A máquina-carne, sempre em funcionamento, está toda vida recebendo atualizações, algumas cheias de malwares.

No colégio, a timidez me assolava e impedia a aproximação dos colegas. Ainda assim foi possível conquistar amizades e experiências que carregarei a vida toda. Revoltava-me com as exatas, praguejando que nunca as usaria no cotidiano da vida adulta. Erro crasso, tudo o que vivenciamos na escola terá sua utilidade, até a fórmula de Bhaskara, que, na verdade, nem de Bhaskara era, pois as fórmulas matemáticas só começaram a existir 400 anos depois de sua morte.

Aí, repentinamente, chega a vida adulta, com sua expressão carrancuda e vestes acinzentadas, e nos sentimos meio perdidos e abandonados. Devemos seguir um rumo só nosso, escolher nossa profissão, adquirir um lar, colecionar boletos, fazer as próprias compras, lidar com os perrengues domésticos, aturar o chefe chato, decorar o nome das ruas e seus caminhos, fazer reforma, emprestar dinheiro, perder a cabeça no trânsito, ter uma crise de ansiedade, enriquecer farmácias, adquirir vícios, adotar um bicho, ficar no prego, perder o emprego, perder um parente, perder um amigo, se perder… Ninguém ensina a gente a ser adulto, é um auto-ensinamento contínuo, uma jornada solitária (ainda que acompanhada), pois cada um é um adulto à sua maneira. E, para ver o ciclo se repetir, teremos filhos e nestes espelhos límpidos cometeremos o erro de refletir neles a nossa imagem já transfigurada, o que obviamente poderá trazer consequências desagradáveis para nossos descendentes.

Enfim, hoje é o dia do meu aniversário, no ano de 2024. Assoprei trinta e cinco velas. Já conto com vários fios prateados adornando o cabelo e a barba. Vez ou outra acordo com um belo torcicolo. Ao sentar e levantar sinto uma dorzinha no quadril eventualmente. A rinite vem me visitar quando o tempo esfria ou uma poeirinha resolve adentrar nas minhas narinas. O olho de vez em quando resseca, o ouvido zumbe, o olfato se perde e o paladar nem sempre dá as caras. Já despontam uns pequenos fios de pelo nas costas. Vão surgindo constelações de pintinhas pretas pelo corpo. A velocidade de raciocínio não é mais a mesma e a memória vez ou outra esquece que eu existo. Estou talvez em um terço da minha vida, se tiver a sorte de uma vida longa. Uma coisa é certa, cada segundo vale a pena. Em minha longa, e ainda curta, caminhada, cultivei um grupo de amigos para a vida toda, um amor único e perene, uma família além da família de berço, uma bagagem enorme que é minha, e só minha, onde guardo os traumas e as lembranças douradas, os espantos e as euforias. Com o corpo e a alma tingidos de cicatrizes sigo a minha caminhada, de braços dados com todos que caminham juntos ao meu lado. Entre o doce e o amargo, provarei todos os sabores que esta vida tem para oferecer, sem devanear sobre o futuro ou a eternidade no agora, degustar apenas o momento presente, que é o que de fato está acontecendo…

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Adriel Alves

Poeta e cronista. Integrante do portal Fazia Poesia. Instagram: @purapoesiaa. Gostou do conteúdo? Se inscreva no link: https://adriel-alves.medium.com/subscribe