Indústrias

Adriel Alves
2 min readDec 27, 2020

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Apertem os botões, puxem as alavancas, rodem as manivelas, lenha nas caldeiras!
As máquinas cospem nos homens o óleo fervente
Em seu desprezo mortal
Os homens-máquinas o limpam da testa, entendem…
Roldanas, esteiras, processos, produtos, embalagens
Suor, sujeira, inferno, cansaço, estalagens
Séries de indivíduos em rotinas fabricadas
Ó sina!
Formigas operárias
Mais um se foi…
Substituam, reponham!
Os maquinários têm fome
Fome de homem
Esperança incinerada, temperada com desgosto ou sal lagrimado
Um litro de salitre para bebericar, por favor!
Voilá, mon patron!
O motor ruge! Ó, a fome! Alimenta-o!
O pretume do carvão tinge as palmas da mão e os cenhos
E o suor chove pelo corpo
E os homens choram sobre o corpo
Substituam, reponham!
A máquina não pode parar!
O vapor assobia, intervalo, comida!
Os pratos cortam, engarfam e engolem os homens com voracidade
Voltam ao trabalho os pistões da cidade
Martelos, bigornas, metais
Fumaça, charutos, jornais
Desenvolvimento, tudo em nome do Desenvolvimento
Ah, esse deus impiedoso!
Ah, esse deus ímpio!
Pedra, concreto, cimento
Os homens já mais exaustos que os exaustores
Rotinas exaustivas de tantas dores
Mas uma hora as esquecem
Em seus trabalhos amnésicos
Morreu mais um!
Substituam, reponham!
Peças soltas, parafusos, pregos, seres genéricos
Amputados, surdos, cegos
Sacrifício, oferenda ao Desenvolvimento
Pátios, galpões e pavimentos
Ferve o sol no asfalto
Ferve o homem em sofrimento
O preço que paga pela sobrevivência
O patrão que paga o gerente que paga o subordinado que paga o proletariado
Hierarquia
Anarquia! Caos! Desordem!
Salário mínimo, ínfimo, pífio!
As fábricas trituram como o diabo
Os sete infernos de Dante
O mesmo inferno de antes
As almas dos defuntos ainda assombram no purgatório fabril
“Substituam, reponham!”
De muita ferrugem a engrenagem já não roda
Pela crosta de sangue seco gangrenado
Engasga e sufoca, abandonada
Ferro tetânico sob o véu da noite
Ferro velho enferrujado, aposentado do açoite
Cessaram as máquinas, desligadas
E as penúrias da indústria e da usina
Execução, dissolução, solvência, falência, ruína…

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Adriel Alves

Poeta e cronista. Integrante do portal Fazia Poesia. Instagram: @purapoesiaa. Gostou do conteúdo? Se inscreva no link: https://adriel-alves.medium.com/subscribe