Rinite

Adriel Alves
3 min readSep 22, 2022
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Abençoados sejam aqueles que conseguem respirar por ambas as narinas todos os dias. Iluminados os que não espirram dez vezes seguidas ao acordar como quem reza dez pai-nossos antes de dormir. Que percebam como é sacro o ato de respirar e cheirar. Ó Deus, que fiz eu para ter vetada a normalidade das adenoides? Só me resta a inveja de quem pode sentir o olor das flores. Reserva-se a mim somente o silêncio do cheiro, sou mouco do nariz. Desesperado recorro aos descongestionantes, para ter um vislumbre de como seria ter um aparelho olfativo exemplar, mas dizem que fazem buracos nas vias aéreas como o carbono faz na camada de ozônio. Ora, por que me importaria? Ao menos o ar poderia correr feliz pelos campos nasais.

Quem tem rinite ou sinusite sabe valorizar os generosos momentos em que a venta resolve funcionar. Aspira tudo o que tem direito. Sente o cheiro do café como se fosse aquela a sua última refeição. Com as vias aéreas sempre interditadas como chegaremos aos perfumes? O diabo é que o olfato está intrinsecamente ligado ao paladar, logo, a sinusite também pode cegar nossa língua, e é a morte não poder gozar plenamente do maior dos prazeres que é fazer trabalhar as maravilhosas papilas gustativas.

Por falar em morte, a sinusite pode matar! Imagine só, você, em sua humilde residência, está preparando com excelência uma refeição individual. No entanto, quando a preparação estava quase pronta, você, que assistia o último episódio da temporada de seu seriado predileto, não notou que o vento havia apagado o fogo da boca do fogão. Então, com avidez, você serve sua comida sem desgrudar os olhos da tela. Seu nariz está desligado, como sempre fica depois das 18 horas, não entra mais nem vento e os receptores olfativos responsáveis por processar os odores estão fora da tomada. Você então corre para entupir o nariz com descongestionante na intenção de conseguir respirar enquanto come. Enquanto isso, o gás está vazando e só tem você e sua calopsita de estimação na casa e ela infelizmente ainda não aprendeu a falar em português. Após usar o seu Neosoro, precisa ficar deitado para o remédio descer, demora um pouco para ele deitar a sinusite no soco. A comida está esfriando e a calopsita está gritando desesperadamente, provavelmente lhe xingando na língua dos periquitos. Por fim, com suas narinas atômicas renovadas, você senta na mesa de jantar, mas, embora você consiga respirar como se tivesse trocado seu aparelho olfativo por um novo, sentir o cheiro e o gosto das coisas é outra história. Você começa a comer a comida bem temperada mas não consegue distinguir nenhum sabor e fica a imaginar como estaria gostosa aquela iguaria se seu paladar e olfato fossem competentes. A essa altura o gás já se espalhou pela casa, aquele gás que custou uma facada de mais de cem reais agora voltou para terminar o serviço, nem Schwarzenegger seria tão implacável. Enfim, quando você terminasse a refeição e fosse apertar o interruptor mais próximo, acabaria por ver a luz, no sentido mortal, é claro.

Não sei se há paraíso ou inferno mas, em caso positivo, posso afirmar sem erro que as “ites” nasais saíram do círculo infernal mais profundo, de um décimo círculo ainda não descoberto por Dante, onde os pecadores são condenados a ter coriza, espirros e congestionamentos por toda a eternidade. Findo esta crônica com o relato de que a escrevi sob narinas entupidas, pressão na face e cabeça pesada, na esperança de que, com dois sentidos privados, possa eu ter aberto um sexto sentido para ao menos ter o gosto de celebrar um bom texto. Até mais, toda a solidariedade àqueles que, como eu, estão pesquisando no Google a melhor forma de abrir novamente as covas nasais, um milagre, assim como Moisés abriu o Mar Vermelho ou como Jesus abriu o santo sepulcro, pois já fazem mais de três dias e minhas narinas ainda não ressuscitaram…

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Adriel Alves

Poeta e cronista. Integrante do portal Fazia Poesia. Instagram: @purapoesiaa. Gostou do conteúdo? Se inscreva no link: https://adriel-alves.medium.com/subscribe