Qual o Sentido?
Fomos dotados de cinco maravilhosos sentidos. O olfato, o sentido da lembrança, permite nos maravilhar com os perfumes das coisas, além de grafitar o passado na parede do presente. A visão, que nos dá o prazer de colher a beleza de tudo, alegra o coração com cores e brilhos, mas também, infelizmente, aviva terrores. O paladar, sentido divino, que traz para a gente a experiência ímpar e extasiante de provar sabores deliciosos, é também um sentido afetivo, comida de mãe e de vó a gente não esquece, pois a língua fala com as narinas e conversam memórias. A audição, que nos concede a sensação doce de ouvir vozes queridas ou quentes, daquelas de eriçar pelos, bem como proporciona a experiência orgásmica de apreciar uma boa música, que, por sinal, também é faísca para chamar lembranças. Percebi que tudo gira em torno das lembranças, afinal, não é para isso que estamos aqui? Para semear e cultivar momentos independentes das estações. Ah, ia esquecendo, é que minha memória não é muito boa. Há outro sentido importantíssimo, o tato, essa tapeçaria única que nos cobre. O tato é o sentido do amor, alinhado com o coração, basta um toque para desencadear uma corrente elétrica e pôr a massa cardíaca em choque. Ele nos traz também um santo remédio chamado abraço, um calmante natural e relaxante muscular com poder de extrair perdões.
O que me intriga é que, mesmo contando com estes fascinantes cinco companheiros de nascença, ainda não estamos satisfeitos. Porque ser humano é nunca se satisfazer e sempre rogar por mais. Tal maldição ocorre porque certas coisas papeiam em línguas desconhecidas, dialetos que somos incapazes de compreender mas que, de certa forma, temos ciência de sua existência, e isso nos mata. Somos assassinos por natureza, pois alimentamos toda vida a necessidade de matar a curiosidade.
Uma dessas coisas incompreensíveis e que ultrapassam na velocidade da luz as limitações dos sentidos é o amor. O amor é um mero substantivo masculino, na definição da língua portuguesa, embora o homem saiba muito menos do amor que as mulheres. Verbalizar o amor não basta, pois a palavra é um recipiente muito pequeno para o amor caber dentro. É no gesto, uma linguagem visual sutil que desafia os sentidos, que podemos vislumbrar a invisibilidade tangível do amor. O nosso sexto sentido, aquele responsável por sentir o que os outros não percebem, é o que mais nos aproxima do transcendental. O problema é que esse sentido mágico vive adormecido dentro da gente e se revela de formas incompreensíveis.
Acredito que nós vamos colonizar o sistema solar, construir portais que nos levarão aos cantos mais obscuros das galáxias, descobriremos novas vidas interestelares e talvez até toquemos na borda autoexpansível do universo que segue se tricotando indefinidamente. No entanto, creio que vamos morrer sem resolver os mistérios que se escondem em nós mesmos, como a consciência, a carne da alma, que todos nós abrigamos, mas ninguém sabe explicar ao certo a sua existência. Também acredito que nossas limitações carnais jamais permitirão desvendar os sentidos ocultos, além dos sabores, odores, calores e cores. Vamos ser assombrados perpetuamente pelo fantasma da dúvida. Mas não me incomoda o mistério, pelo contrário, me agrada essa sensação de saber que nada nunca será absoluto, que nada vai me deixar de barriga cheia, que vai haver sempre algo além. Viver é perseguir horizontes. Então me pergunto: “Qual o sentido?”, e tenho a impressão de escutar um misterioso sussurro…
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