Sobre o Tempo e sua Incapacidade de Olhar para Trás
Tendemos a ignorar o passar do tempo. Sabemos que ele é aquela presença intangível, mas que está sempre com as mãos pesadas em nossos ombros. No entanto, não queremos olhar para o lado e dar de cara com a sua face rugosa, ou pior, de espiar na sua margem o nosso velho e liso rosto da infância.
Revisitar-nos no auge de nossos poucos centímetros é apunhalar lentamente o peito. Antes tudo parecia mais doce, mais leve, os dias eram açucarados, mas nos invisíveis bastidores lá estavam nossos pais carregando o mundo nos ombros.
Pois bem, o tempo vai passando e parece apressar o passo a cada ano. Os dias vão ficando menores ante tantas atribuições que esta vida de gado nos proporciona. Não demora para que desejemos voltar no tempo, sem saber que no passado também queríamos voltar. Queremos regressar toda vida, tendo em vista que o futuro é uma penumbra e é sabido que toda treva abriga monstros (imaginários ou não).
Tenho visto o tempo esvair e sobrar pouco para fazer aquilo que amo. Isso inclui escrever, ler, visitar os amigos, aprimorar meus conhecimentos… Tenho uma gana de devorar arte. Se eu pudesse leria todas as grandes obras, consumiria todas as ilustrações, degustaria todas as canções, tendo conhecimento de que, mesmo que vivesse por séculos, jamais conseguiria consumir tudo. Eis nosso maior desafio, escolher bem o que vamos devorar nesta vida tão efêmera. Me sinto como aquele curioso inseto, o efemeróptero. Este ser azarado só vive por um dia. Nesse meio tempo, ele deve se reproduzir e perpetuar (se é que se pode dizer assim) a sua espécie. Um dia para ele talvez seja muito tempo. Para mim, um século não bastaria.
Há quem pouco se importa com o correr do tempo. Vai vivendo cada dia como se não houvesse passado ou futuro, e não há mesmo, a gente que inventa. Essas pessoas podem estar equivocadas. Relembrar é sofrer, expectar é sofrer. Alguém que não tem cicatrizes também tem menos beleza. Cicatriz é um ouro em nossas fendas, um kintsugi, necessário para trazer firmeza a esta nossa vida-porcelana.
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