Tudo Aquilo que Não Pudemos Ser

Adriel Alves
3 min readAug 10, 2024

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A criança é um ser feito de sonhos. Nela dançam numa ciranda os mitos e as fantasias. Um mundo com pote de ouro no fim do arco-íris é muito mais belo do que saber que o arco-íris na verdade não tem fim. O terror de haver um monstro sob a cama ou no armário veste a vida de emoção. Aos poucos, vamos adultizando, esse rio infante vai petrificando para resistir às pancadas do violento oceano chamado cotidiano. Depois que a voz engrossa, os pelos crescem, as mamas afloram, o sangue desce; aí vamos tingindo todas as cores de cinza. Este acimentado feito com areia de ampulheta se alastra aos poucos. Cada vez mais nos pegamos melancólicos, desejando ter aquele arco-íris de volta em nossos dias. O que nos afasta daquela criança?

Quando pequenos, temos pressa de ser adulto. Poder assistir todos os filmes no cinema, dirigir aqueles carros incríveis e se deslocar para onde bem entender, comprar todos os brinquedos possíveis, comer o que der na telha, dormir tarde da noite… Até que essa liberdade desponta e enjoamos dela num piscar de olhos. Aí deliramos com a vontade de ser criança outra vez. Não ter dívidas para quitar nem faturas de cartão de crédito, não ter que trabalhar e poder brincar o dia todo, desfrutar do prazer de descobrir sempre uma coisa nova; gozar da alegria de um recreio após uma aula chata, não necessitar fazer a própria comida e ter sempre o colo dos pais para remediar os dodóis… Poucas coisas doem tanto quanto as incertezas de ser um adulto. Somos apenas nós e nós mesmos e fingimos muito bem não nos sermos para os nossos filhos.

O que você quis ser quando crescesse? Já abriguei tantos sonhos… Um deles era ser desenhista profissional, um sonho que não se realizou, obviamente. Eu fazia revistas em quadrinhos totalmente artesanais com folhas A4 dobradas ao meio e grampeadas. Ficava todo feliz com o resultado e achava que estava arrasando, embora fossem apenas rabiscos tortos em quadrinhos disformes. Quando a gente é pequeno, enxergamos enormidades em coisas miúdas. É a vista única que faz estadia no olhar de toda criança, um olhar que mistura fantasia e realidade fazendo o mundo tornar-se uma coisa pouca. Pois bem, cresci e fui me tornando míope, uma hora a paixão pela arte de desenhar minguou até perecer de vez. Aquela grandeza de querer ser o maior desenhista de todos os tempos, aplaudido pelo mundo inteiro, de repente virou algo insignificante. “Como eu era bobo”, é o que quedei a pensar. As folhas A4, agora não mais dobradas ao meio e grampeadas, apenas gritavam a mim que eu deveria passar no vestibular. Eu que sempre estive com a cabeça nas nuvens, agora deveria pôr os pés no chão. O problema é que esse chão é uma areia movediça, na qual vamos aos poucos nos afogando até sufocar em meio a tantos sapos que o mundo nos faz engolir…

À vista de tudo isso, devemos desenterrar tudo aquilo que não pudemos ser. Recuperar nem que seja um pedaço daquela nossa criança tão devaneadora. Devemos voltar a ter a ambição das estrelas, de brilhar quase que eternamente. Nadando contra a corrente, temos o dever de fecundar nossos sonhos, cultivá-los a ponto de virarem uma árvore cheia de bons frutos. Tudo isso para, quando chegarmos ao nosso ocaso, mirarmos nossa criança interior e distribuir a ela um sorriso sincero. Enfim, concretizar os sonhos, para no último capítulo afirmar: “Eu vivi”.

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Adriel Alves

Poeta e cronista. Integrante do portal Fazia Poesia e da Impérios Sagrados. IG: @purapoesiaa. Inscreva-se no link: https://adriel-alves.medium.com/subscribe